terça-feira, 29 de abril de 2014

O emigrante e a amizade


A amizade é feita de momentos...

Aquele momento em que percebes que, apenas por alguém ter a mesma nacionalidade que tu e por viverem no estrangeiro, não significa que podem ou devem ser amigos.

Aquele momento em que és acusada de não gostar do teu país por fazeres amizade com espanhóis.

Aquele momento em que travas amizade com gente de todo o mundo, de Portugal (e Espanha, é claro) até ao arquipélago da Cochichina Oriental, mas ainda não tens um único amigo sueco.

Aquele momento em que o teu primeiro amigo estrangeiro muda para outro país e achas que o mundo vai acabar.

Aquele momento em que os amigos #2, #3, #4, #5, #6, #7, #8, #9, #10, #11, #12, #13, #14, #15 e #999 se vão embora e achas que já começas a estar habituada à situação e que até cresceste como pessoa devido a tantas despedidas.

Aquele momento em que choras durante três horas, quarenta e seis minutos e oito segundos num bar de karaoke rock quando ficas a saber que o amigo #1000 se vai embora.

Aquele momento em que juram manter o contacto pelo Skype mas sabes que a amizade não vai ser a mesma.

Aquele momento em que te apercebes que tens alojamento grátis noutros países, agora que os teus novos amigos estão espalhados pelo mundo.

Aquele momento em que decides que tens de fazer amigos suecos para evitar tanto abandono cruel.

Aquele momento em que dizes uma piada qualquer e os suecos ao teu redor se riem.

Aquele momento em que um sueco até te acha graça mas em que te apercebes que nunca entrarás no grupo de amigos porque o grupo de amigos é composto por pessoas que conheceu no primeiro dia de infantário.

Aquele momento em que um sueco te ignora completamente no trabalho. Isto depois de ter passado uma noite a falar contigo, de cerveja na mão, como se um melhor amigo se tratasse, na festa da empresa.

Aquele momento em que estás numa festa de suecos, a jogar Trivial Pursuit, e te dão os parabéns como se fosses uma criança quando acertas numa resposta.

Aquele momento em que tu, que não estás habituada a beber muito, bebes uma garrafa inteira de vinho rosé espumante para ganhares coragem para enfrentar um grupo de suecos monossilábicos. Passas a noite calada mas sorridente. Depois de os convidados se irem embora vomitas na casa-de-banho.

Aquele momento inevitável em que conheces um estrangeiro e se dão muito bem mas lhe perguntas, a medo, quanto tempo vai viver na Suécia. Começas a preparação mental para a despedida. Pelo sim pelo não compras um cartão de despedida com ursinhos e balões para oferecer no futuro.

Aquele momento em que te apercebes que conseguiste algo com que sempre sonhaste, conhecer gente de todo o mundo, mas que nunca imaginaste que aconteceria nestas condições.

Aquele momento em que a tua colega de curso te ignora no autocarro apesar de te ter enviado um pedido de amizade no Facebook.

Aquele momento em que a tua nova amiga sueca faz questão de te cumprimentar com dois beijinhos na cara porque sabe que é assim que fazem no teu país. Apesar de os suecos terem horror a beijinhos na cara.

Aquele momento em que te vês metida num autocarro durante vinte e cinco minutos com um sueco monossilábico e, para compensar o silêncio dele, começas a falar demais e fazes figura de idiota. Passas a tarde a pensar na figura de idiota que fizeste no autocarro e prometes não repetir a proeza. Mas sabes que vais repetir a proeza.

Baseado em histórias reais

(Pensem nisto como uma pequena colectânea de coisas que me aconteceram a mim e a outros emigrantes que conheço. Sim, tem elementos de ironia e alguns exageros, mas a moral da história é simplesmente que a amizade às vezes é um desafio enorme para quem vive num país diferente. Não significa que não se possa fazer amizades verdadeiras, ou que as amizades com os que nos deixam não valeram a pena, mas simplesmente que é difícil e que a maioria de nós tem que aprender a conviver com um certo desamparo. Isto aplica-se especialmente a quem está longe da família.
Acho que muitos estereotipos têm um fundo de verdade e no que diz respeito aos suecos, eles são conhecidos pela sua frieza por algum motivo. Não significa que não possam ser simpáticos, ou que não haja muita gente boa, aberta e divertida. Significa que no geral são fechados, e ainda mais quando convivem com estrangeiros.)



29 comentários:

  1. Acho que é natural, um estrangeiro será sempre um estrangeiro, um "estranho".

    (devo dizer que algumas das situações descritas acima também acontecem com pessoas da mesma nacionalidade!)

    ;)

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  2. De facto não é fácil e as diferenças culturais parecem falar mais alto...espero sinceramente que por fim consigas um grupo de amigos sueco...não pensei que fosse tão difícil...ó gente fria!

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  3. Oi, Joanita!
    Olha, mesmo aqui no Brasil "caliente", entre os pares, nem sempre uma amizade é algo assim tão sólido.
    Eu mesma sempre fui de poucos amigos, ficando mais próximas aos parentes (primas, tias).
    Outro dia, me encontrei com uma amiga de adolescência. Conversamos e foi bom. Depois pensei:
    _Sou amiga dela a mais de 30 anos, ou fomos amigas a mais de 30 anos? É que agora ficamos apenas "conhecidas"!

    Beijão, e não esquente a cuca, amigos sempre irão e virão.

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  4. Choro sempre quando vejo reportagens de emigrantes! Por tudo... Mas por tudo menos por ter pena. Não tenho, mas orgulho na vossa força e parece que sinto que um dia vou ser eu e que vai ser difícil. Mas bom também. :)

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  5. substitua "suecos" por "alemäes" e... bem vinda a minha vida!
    ... mas é bom saber que näo se está sozinha.

    bjim, moça... e força pra mais conquistas!

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  6. É duro, eu apenas posso imaginar a situação de estar tão longe de "casa". Mas, se te serve de consolo (para que escrevo isto, se sei que não serve?), sinto o mesmo por cá e sempre vivi aqui em Portugal. A solidão passa-se mesmo entre portas (apre, agora é que foi!).
    Beijocas e... they love you!!!

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  7. Joaninha: Não te deixes abater!!!! Sabes bem que algumas das situações que descreves aconteceriam aqui também...claro que estando longe...as coisas são 1000 ampliadas...eu sei.

    Ganhar e perder amizades é uma batalha ganha e um batalha perdida...Jinhooooooossss vai passar querida:)

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  8. E é isso mesmo. Como eu te percebo...

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  9. Oh Joana! Esse foi um dos melhores posts no seu blog até hoje. Os detalhes, a emoção, a veracidade dos sentimentos... Não sabia que portugueses podiam ser tão intensos qnt brasileiros. VC é muito amorosa, muito intensa, muito verdadeira...
    Não é fácil fazer amigos em lugar nenhum, especialmente quando vc é "a diferente", aquela que n entende as piadas, que tem um sotaque, as vezes, pesado, que não gosta da mesma comida...
    Mas continue nessa busca. VC N ESTA SOH!!!

    Beijo grande,

    Rebeca
    xo

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  10. Podia escrever esse post e trocar o nome do pais de Suecia pra USA, porque e desse jeitinho por aqui...principalmente na parte de amigos, e tao triste dizer adeus, mas parece rotina pra gente ne.
    Beijinhos

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  11. Eu confirmo :) Gostei mt do texto! Um beijinho*

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  12. Mas que modo de vida surreal... não fazia ideia!

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  13. POxa Joana, esse foi um post muito bem escrito com irônia, mas cheio de verdade. Acho que tem muito do que nós estrangeiros sentimos quando mudamos para um outro país. A verdade é que é mais difícil fazer amizade depois que saímos da adolescência e fazer amizade com pessoas de outra cultura, bom... Dá nisso tudo que você escreveu acima.
    Verdade seja dita, em 6 anos de Suécia, eu não tenho um único amigo sueco.. O que me parece irônico.

    Amei a maneira que você conseguiu expor sentimentos e verdades para muitos outros que nunca vivenciaram ser um expatriado.

    Bj

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  14. Joana, vc colocou mto bem em palavras o q nós vivemos aqui c relação às amizades... Estou vivendo vários desses episódios que vc relatou e parece q isso é comum então... Ufa, não estou só... Bjo grande! :)

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  15. Joana, vc colocou mto bem em palavras o q nós vivemos aqui c relação às amizades... Estou vivendo vários desses episódios que vc relatou e parece q isso é comum então... Ufa, não estou só... Bjo grande! :)

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  16. A vida é mesmo assim.
    Olá. Desapareci uns tempos mas estou de volta. Vim deixar uma beijoca. :*

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  17. Não consigo avaliar a solidão de um emigrante, até porque nunca teria a vossa coragem.

    O que posso é garantir que esses episódios acontecem mesmo a quem não é emigrante. Esta coisa dos relacionamentos humanos é complexa. Valham-nos os momentos em que " a tua nova amiga sueca faz questão de te cumprimentar com dois beijinhos na cara porque sabe que é assim que fazem no teu país. Apesar de os suecos terem horror a beijinhos na cara"

    bj

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  18. Compreendo bem alguns pontos que falas...quando vivi em Espanha as grandes amizades que fiz não foram com os espanhóis, ou com as minhas colegas de casa espanholas , nem com colegas de turma...eram os outros erasmus que estavam na mesma condição que eu... aliás até se juntávamos todos para "dizer mal" dos nuestros hermanos :P eheh Ainda bem que alguém me compreende...eu é mais com o português e o espanhol, o inglês às vezes é o que vem salvar...fico tão enrolada com as duas línguas que acabo por ir buscar ao inglês algumas expressões ou palavras. :P beijinho

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  19. "Aquele momento em que és acusada de não gostar do teu país por fazeres amizade com espanhóis."
    A sério??? Não posso crer que algumas pessoas ainda pensam que vivem na época da "padeira de Aljubarrota".

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  20. Eu não me sinto nada como emigrante. Se por um lado é bom viver numa comunidade alargada de portugueses (aqui nesta pequena vila são à volta de 2.500) e sentir que muitas vezes se está em Portugal, e ajuda a não vivenciar nenhuma dessas experiências, por outro lado, às vezes apetecia-me ser mais anónima e conhecer mais pessoas de outras nacionalidades.
    Seja como for, há que tirar as coisas boas de todas essas experiências: figura de idiotas todos fazemos algumas vez na vida e se for para nos facilitar a vida, que seja, digo eu. E isso de beber para descomprimir (sejamos nós, ou eles) só mostra que em muitas coisas, as pessoas são iguais sejam suecos, portugueses ou da Conchichina ;) Ahhh, pois e o facebook, esse manancial de amigos virtuais mas que não conseguem falar contigo e te olharem na cara! Felizmente não tenho coisas dessas no meu fb, até porque gosto muito de conhecer as pessoas pessoalmente.
    [Acho que as pouquíssimas pessoas que tenho no fb que ainda não conheço ao vivo e a cores, têm exatamente a ver com este mundo dos blogs!]

    Um beijo*

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  21. Depois de tanto sonhar regressar para Portugal la fomos e depois apercebi-me que la tambem ja sou emigrante e que os alemaes nao sao assim tao frios. Existe de tudo com em Portugal e noutros paises! Beijinhos Sandra

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    1. Desde que eu me tornei mais aberta aqui na Alemanha noto que ha um retorno!

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  22. A melhor coisa são as amizades que são feitas :)

    Kisu!

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  23. Adorei o texto, Joana!
    Não desistas. Vais conseguir o teu grupo de amigos, vais ver que sim!
    Beijinhos

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  24. Sei exactamente do que falas!!! beijinho

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  25. Sem dúvida que deve de ser complicado manter amizades com pessoas que estão noutros países! Algumas vezes, até mesmo morando à nossa beira pode ser difícil :)

    Curiosa é que do meu grupo de amigos, 99% não emigrou x) Eu tive ideias disso e nem descartei a opção, mas estava sozinha nessa aventura e por mais alguns motivos, resolvi ficar :)

    Beijinho

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  26. Vou ter de guardar o teu blogue, porque realmente a tua escrita conquistou-me!

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